(...)
— Como vou contar isso a ela? — pudera ouvir assim que meus ouvidos
permitiram. Não consegui distinguir de quem pudesse ser a voz, pois sussurrava,
e eu me concentrei em apenas escutar.
A única coisa que consegui descobrir era que a voz pertencia a uma
garota e não me era estranha. Aliás, era-me muito familiar.
Continuei de olhos fechados. O que eu estava fazendo com os olhos ainda
fechados? Forcei-me abrir os olhos, mas minhas pálpebras pareciam estar
coladas. Forcei mais uma vez. E mais outra vez. Até que na terceira conseguira
abrir. Minha visão estava um pouco embaçada, desfocada. Talvez fosse pelo fato
de ter acabado de acordar. Pisquei algumas vezes, pegando foco. Só então
consegui ver quem era a pessoa que chorava minutos antes. Sim, que chorava. Ao perceber que eu havia
acordado, parou de imediato, secando as lágrimas rapidamente com as costas da
mão.
Até parece que adiantou alguma coisa. Eu podia estar de olhos fechados
minutos antes, mas eu percebo quando alguém está chorando. Isso não importa
agora. O que importa é saber por qual motivo ela estava chorando.
E o que ela tinha que me contar? Ai eram tantas perguntas, que eu nem
sabia por qual delas começar a fazer.
Fez-se silêncio no quarto branco. Como nenhuma das duas – é, duas, Tia
Sofia e sua filha Letícia, minha melhor amiga – resolveram não dizer nada,
decidi quebrar o silêncio:
― Tudo bem. O que está acontecendo? ― perguntei séria. Sem resposta. ―
O que eu estou fazendo aqui?
Hum, aquilo estava começando a me irritar seriamente.
― E aí, serei respondida ainda hoje? ― perguntei, com meu habitual
sarcasmo. Novamente sem resposta, recebendo somente um olhar tenso de Letícia.
― Qual é gente, dá para alguém me explicar essas caras de enterro?
Era terrivelmente aborrecedor fazer perguntas e não ser respondida. Ser
ignorada era mais que irritante.
― Dá para alguém me explicar, por favor? ― gritei impaciente.
Arrependendo-me logo em seguida, ao sentir minhas costelas esmagarem meus
pulmões violentamente.
Elas trocaram mais um olhar cúmplice, como numa briga silenciosa,
talvez discutindo quem falaria. Qual é,
era só abrir a boca e falar!, pensei com meus botões, rolando os olhos em
seguida. Nossa quantofrescura só pra falar o que estava acontecendo.
Elas pareceram terminar sua discussão silenciosa, e trocaram um olhar
cúmplice, como se tivessem escolhido quem abriria a boca. Letícia caminhou até
mim e sentou-se na beira da cama, olhando em meus olhos e segurando em minhas
mãos. Pude ver sua aflição. Era tão tangível que cheguei a pensar na hipótese
de que a qualquer momento ela pudesse cair em prantos novamente. Isso me deixou
extremamente mal. Algo dentro de mim entrou em agonia.
— Olha, Mar o que tenho pra te dizer é muito difícil pra mim... — ela
disse finalmente, com voz chorosa. O que estava acontecendo com ela? ― E também
sei que vai ser difícil pra você...
Lágrimas começaram a escapar de seus olhos, começando a se
intensificar. De repente, era só o que ela conseguia fazer. Vendo que nada
sairia dali a não ser lágrimas, me desesperei:
— O que aconteceu? – perguntei aflita. Então algo me ocorrera algo. -
Aconteceu alguma coisa com a Claire? Aconteceu algo com a minha irmã? Fala-me,
por favor!
Eu estava agoniada por dentro, estática por fora e sem reação. Não
poderia ter acontecido algo com minha irmã. Não
poderia.
— Fica calma, Mar... — Sofia correu em auxílio da Tiça que pareceu
cessar as lágrimas.
— É, Mar, não foi nada com a Claire... — Tiça disse, ainda
choramingando. — Fique calma...
— Eu estou calma... — disse,
agora com a visão novamente desfocada — Dá pra falar o que está acontecendo?
Sofia respirou fundo, sentou-se ao meu lado pegando minhas mãos,
imitando o gesto da filha. Respirou fundo mais uma vez.
— Seu pai... — pudera sentir que segurava as lágrimas. Fungou algumas
vezes, e naquele mesmo instante, desejei não querer saber o que ela tinha pra
falar. E que o que ela me diria, seria bastante doloroso, pelo que eu pude
perceber. — ele faleceu há três dias...
Ela dissera mais alguma coisa, mas não consegui ouvir. Paralisei na
cama, sem foco, sem reação.
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