Conto de Farsas - Capítulo Um (Parte 2)

em 24.3.13


(...)




— Como vou contar isso a ela? — pudera ouvir assim que meus ouvidos permitiram. Não consegui distinguir de quem pudesse ser a voz, pois sussurrava, e eu me concentrei em apenas escutar.
A única coisa que consegui descobrir era que a voz pertencia a uma garota e não me era estranha. Aliás, era-me muito familiar.
Continuei de olhos fechados. O que eu estava fazendo com os olhos ainda fechados? Forcei-me abrir os olhos, mas minhas pálpebras pareciam estar coladas. Forcei mais uma vez. E mais outra vez. Até que na terceira conseguira abrir. Minha visão estava um pouco embaçada, desfocada. Talvez fosse pelo fato de ter acabado de acordar. Pisquei algumas vezes, pegando foco. Só então consegui ver quem era a pessoa que chorava minutos antes. Sim, que chorava. Ao perceber que eu havia acordado, parou de imediato, secando as lágrimas rapidamente com as costas da mão.
Até parece que adiantou alguma coisa. Eu podia estar de olhos fechados minutos antes, mas eu percebo quando alguém está chorando. Isso não importa agora. O que importa é saber por qual motivo ela estava chorando.
E o que ela tinha que me contar? Ai eram tantas perguntas, que eu nem sabia por qual delas começar a fazer.
Fez-se silêncio no quarto branco. Como nenhuma das duas – é, duas, Tia Sofia e sua filha Letícia, minha melhor amiga – resolveram não dizer nada, decidi quebrar o silêncio:
― Tudo bem. O que está acontecendo? ― perguntei séria. Sem resposta. ― O que eu estou fazendo aqui?
Hum, aquilo estava começando a me irritar seriamente.
― E aí, serei respondida ainda hoje? ― perguntei, com meu habitual sarcasmo. Novamente sem resposta, recebendo somente um olhar tenso de Letícia. ― Qual é gente, dá para alguém me explicar essas caras de enterro?
Era terrivelmente aborrecedor fazer perguntas e não ser respondida. Ser ignorada era mais que irritante.
― Dá para alguém me explicar, por favor? ― gritei impaciente. Arrependendo-me logo em seguida, ao sentir minhas costelas esmagarem meus pulmões violentamente.
Elas trocaram mais um olhar cúmplice, como numa briga silenciosa, talvez discutindo quem falaria. Qual é, era só abrir a boca e falar!, pensei com meus botões, rolando os olhos em seguida. Nossa quantofrescura só pra falar o que estava acontecendo.
Elas pareceram terminar sua discussão silenciosa, e trocaram um olhar cúmplice, como se tivessem escolhido quem abriria a boca. Letícia caminhou até mim e sentou-se na beira da cama, olhando em meus olhos e segurando em minhas mãos. Pude ver sua aflição. Era tão tangível que cheguei a pensar na hipótese de que a qualquer momento ela pudesse cair em prantos novamente. Isso me deixou extremamente mal. Algo dentro de mim entrou em agonia.
— Olha, Mar o que tenho pra te dizer é muito difícil pra mim... — ela disse finalmente, com voz chorosa. O que estava acontecendo com ela? ― E também sei que vai ser difícil pra você...
Lágrimas começaram a escapar de seus olhos, começando a se intensificar. De repente, era só o que ela conseguia fazer. Vendo que nada sairia dali a não ser lágrimas, me desesperei:
— O que aconteceu? – perguntei aflita. Então algo me ocorrera algo. - Aconteceu alguma coisa com a Claire? Aconteceu algo com a minha irmã? Fala-me, por favor!
Eu estava agoniada por dentro, estática por fora e sem reação. Não poderia ter acontecido algo com minha irmã. Não poderia.
— Fica calma, Mar... — Sofia correu em auxílio da Tiça que pareceu cessar as lágrimas.
— É, Mar, não foi nada com a Claire... — Tiça disse, ainda choramingando. — Fique calma...
— Eu estou calma... — disse, agora com a visão novamente desfocada — Dá pra falar o que está acontecendo?
Sofia respirou fundo, sentou-se ao meu lado pegando minhas mãos, imitando o gesto da filha. Respirou fundo mais uma vez.
— Seu pai... — pudera sentir que segurava as lágrimas. Fungou algumas vezes, e naquele mesmo instante, desejei não querer saber o que ela tinha pra falar. E que o que ela me diria, seria bastante doloroso, pelo que eu pude perceber. — ele faleceu há três dias...
Ela dissera mais alguma coisa, mas não consegui ouvir. Paralisei na cama, sem foco, sem reação.




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