Acordei desejando
que todo o acontecimento da noite passada tivesse sido somente mais um terrível
pesadelo e que eu teria meus pais aqui comigo para me consolar.
Não passava
de desejo. Isso nunca iria acontecer... eles estavam mortos.
Eu não sabia
as horas, mas pela luz fraca do sol batendo nas persianas percebi que havia
dormido por um dia inteiro e que a noite estava chegando. Minha boca pedia
água, sentia minha garganta seca e muita fome. Nem recordava a última vez que
havia comido.
Ouvi o
barulho da porta se abrindo. Letícia pôs a cabeça para dentro.
― Posso entrar?
– disse e sem esperar resposta, entrou no quarto. Em suas mãos havia uma bandeja com tudo para
um café da manhã reforçado. Havia torradas, suco de laranja, geleia de morango
e um potinho de iogurte. Era tudo tão visivelmente apetitoso, eu só não sentia
vontade nenhuma de comer. Única coisa que desejava naquele momento era água.
Letícia colocou
a bandeja em minha frente e me encarou por alguns instantes. Sentou-se ao pé da
cama, ajeitando o cobertor sobre os meus pés que estavam à mostra.
― Como está
se sentindo?
Era até
difícil responder, por que eu não conseguia sentir nada. Estava tentando
absorver os últimos acontecimentos. Era como se minha vida passasse em minha
cabeça como um filme de terror. Eu vi minha mãe morrer e não pude fazer nada...
Sentia-me uma inútil. Eu sou uma inútil.
Após um
longo período em silêncio, respirei fundo tentando não chorar. Meus olhos ardiam
e lacrimejavam, mas recusava-me ceder à tristeza.
― Eu... eu
não sei – disse olhando para o teto. Funguei profundamente tentando afastar a lágrimas.
― Não posso
dizer que entendo a sua dor, pois nunca perdi ninguém dessa forma – ela disse e
lágrimas já brotavam de seus olhos. Esse era o modo dela de consolar alguém. –
Mas posso dizer que pode contar comigo pra o que quiser que eu estarei aqui.
― Obrigada,
Tiça...
Ela me
abraçou apertado e naquele momento eu soube que podia contar com ela a qualquer momento. Letícia é uma amiga e tanto. Poderia não saber o que dizer para consolar alguém, mas eu tinha certeza de que em qualquer momento poderia contar com ela.
― Vamos tomar esse café? ― ela disse enquanto se afastava de mim. ― Parece estar uma delícia...
― Não estou com fome... ― seu olhar se estreitou. Eu completei logo em seguida: ― Ainda. Só vou querer água.
― Tudo bem. ― levantou-se e foi em direção ao pequeno criado-mudo onde havia uma jarra com água natural. Depois voltou com o copo cheio.
― Obrigada.
Os pais de Letícia foram tão prestativos. Fizeram questão de pagar toda a despesa com o velório. O médico me liberou para que eu fosse ao enterro dos meus pais, mas teria que voltar para o hospital assim que terminasse. Os pontos em minha cabeça eram muito recentes para que eu voltasse para casa tão depressa.
O enterro foi a parte mais difícil. Ver toda aquela terra cair sobre os caixões de meus pais foi como se uma parte de mim tivesse sido enterrada junto. Não chorei, mas senti uma vontade enorme. Era tanta dor. Ainda não aceitava a morte dos meus pais...
Os dias que se seguiram eu fiquei no hospital, em
observação. O médico disse que eu precisava fazer mais uns exames para ter
certeza de que o ferimento em minha cabeça não viesse a se complicar. Depois de
muitos exames, o médico disse que eu poderia ir embora dali a três dias, mas
teria que vir ao médico pra ver se estava tudo em ordem comigo.
Eu ainda me sentia atônita pela morte dos meus pais.
Não tinha para onde ir, não tinha parentes próximos a mim. E quem iria querer
criar uma adolescente e um bebê de apenas seis meses de vida?
Quando contei
minha preocupação a Sofia em uma de suas visitas diárias, ela dissera que não
precisava me preocupar. Ela e seu marido, Rafael, cuidariam de tudo. Mas eu não
conseguia aceitar.
— O que vai ser da minha irmã agora? —
perguntara mais pra mim do que pra elas. — O que será de mim?
Sofia apenas acariciou meus cabelos, e com uma
expressão que não consegui definir, disse:
— Você não está só - ela sorrira pra mim, e acariciara meus cabelos
novamente. — E é isso que importa agora...
Letícia sorrira para mim também, assentindo,
afirmando o que sua mãe dissera.
Sorri
em resposta, e pudera ter certeza naquele momento de que dali em diante eu não
estaria só... Só precisava voltar pra casa.
Continua...
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